A face, negra, de Nossa Senhora, no vitral da Igreja, sugou-me os olhos céu acima, desmoronando-me a “lógica” durante séculos em nós plantada, de figuras bíblicas bem menos pigmentadas.
Ali, no coração do Soweto, na África do Sul, a Igreja Regina Mundi era local regular de peregrinação e devoção de milhares de católicos mas, acima de tudo, um abrigo supra-religioso, para refugiados da violência política, étnica e racial.
Foi ali que convergiram a 16 de Junho de 1976, milhares de estudantes negros em fuga de uma carga policial, que deixaria mortos dezenas deles, incluindo o emblemático Hector Pieterson.
O vitral da “Madonna negra” coava a luz fria daquela manhã fria de Inverno enquanto pássaros de todas as cores viravam num quase paraíso inesperado, aquele cenário de horrores recorrentes.
Ali ouvi Mandela explicar a jornalistas o motivo por que rezava rotativamente aos domingos, em Igrejas das diferentes fés religiosas.
E foi mais ou menos isto:
- “Deus é só um. Imaginado pelo Homem seja em que raça ou crença for. Ele vive dentro de nós ou não. Independentemente do local, rituais ou formas de devoção que cada Homem escolher. Por isso, sendo Presidente de todos os sul-africanos, devo prestar devoção ao nosso Deus comum, com as vestes e códigos que nos mobilizem a todos, e cada um, a lutarmos por sermos menos imperfeitos”.
Voltei a olhar a Madonna e, de repente, descobri uma Nossa Senhora,
pigmentada de Arco-íris.
