João Silva continuou a fotografar enquanto os paramédicos lhe aplicavam torniquetes e o sedavam com morfina.
O testemunho é da reporter Carlotta Gail que acompanhava o fotógrafo português quando este accionou uma mina artesanal, na província afegâ de Kandahar, perdendo parte de ambas as pernas e sofrendo lesões pélvicas.
É uma reação típica da pessoa que conheço profissional e pessoalmente desde que nos começámos a cruzar diariamente na cobertura de incidentes de violência e do fim do apartheid na África do Sul, no início da década de 90.
Foi esse o seu reflexo quando o seu amigo Ken Oosterbroek (e também reporter fotográfico) agoniava após ter sido atingido por uma bala de supostas forças da ordem que disparavam em pânico contra impis zulus, encurralados num "hostel" dos arredores de Joanesburgo.
João torturou-se depois com essa sua reacção de "sobrevivência" mas quis também perpetuar assim a memória do amigo, pelo qual não podia, em boa verdade fazer, fosse o que fosse, na altura.
Destemido e, ao mesmo tempo, sensível e humilde, o João entregava-se ao seu trabalho com uma paixão e um olhar raros, agora destacados de novo pelo director do New York Times, Bill Keller, que era na altura o correspondente do diário americano em Joanesburgo e, agora, o chefe máximo do periódico.
A sua mulher Vivian (com quem vive na África do Sul e os dois filhos do casal) foi "brifada" telefonicamente pelo cirurgião que atendeu o marido, em Kandahar e por quem ficou a saber que este ainda não está livre de perigo de vida, apesar de "extremamente forte".
João Silva nasceu em Lisboa, há 44 anos, de onde acompanhou os pais para Moçambique, ainda menino. Dali mudar-se-iam para a África do Sul durante os incidentes de violência que marcaram a independência daquele país.
Estreou-se aos 33 anos como fotógrafo profissionalno Alberton Record, um jornal local daquele município periférico de Joanesburgo, mas rapidamente se notabilizou e ganhou reconhecimento internacional.