Um velho professor assistia no páteo degradado da escola, ao atirar displicente de latas usadas pelos alunos, para o chão de cimento, qual destino lógico dos desperdícios humanos.
Há mais de 20 anos que ele se orfandara do existir e do saber de vida de sua companheira, que com ele arriscara a mais improvável das relações.
Ela era toda vertigens de tocar, mudar e arriscar. Ele, um beirão reservado, homem dos xistos, vivendo a vida às arrecuas, como se no estacionar existencial em marcha atrás estivesse sempre seguro de poder fechar as escotilhas e partir.
Ali, no páteo, da escola grafitada, ele assistia agora ao voo das latas amachucadas, e abençoava os tesouros de conversas por eles somados, ao longo dos anos, em que aprenderam a fundir olhares e carinhos.
Numa sabedoria serenadora, conquistada com os brilhos de um. E do outro.
Ela lhe pegara na mão da vida, semeando-lhe temperos que eram só dela. Diferentes dos dele. Ele, impregnara-os de existires, contemplações de tempos com outro tempo.
Aos poucos, a vida somara-os um. Em pista única. Onde ele era agora corredor singular. Ou assim se sentia deste a morte dela.
Até acordar professor. No coração e na vertigem, como se somara no existir com ela.
Por isso, naquele dia, levantou-se do banco do páteo, sorriu aos alunos. Pegou numa das latas e depositou-a no lixo.
Naquele instante, a companheira ressuscitou semente. Dentro de todos os que o viram desenhar um arco-íris, num brilho de lata.